As entidades participantes do Fórum Alternativo Mundial da Água – FAMA 2018, reunidas em Brasília, entre os dias 17 e 22 de março de 2018, manifestam o seu repúdio a edição da Medida Provisória da Privatização da Água e do Saneamento em gestação no Governo Federal e conclamam os setores democráticos e populares da sociedade brasileira a denunciar e lutar contra mais essa supressão de direitos que o governo federal quer desfechar contra a já tão sofrida população brasileira, dessa vez na área de saneamento básico.

A edição da Lei Nacional de Saneamento Básico (Lei n° 11.445, de 05 de janeiro de 2007) significou uma grande conquista para a população brasileira e uma virada de página na história do saneamento básico no País e, após dez anos de sua instituição, promoveu muitos avanços na área. Essa lei estabelece diretrizes para o saneamento básico e tem como princípio fundamental a universalização dos serviços. Foi sancionada pelo então Presidente Lula em 2007, após intensos debates com todos os setores da sociedade interessados no tema e aprovação por unanimidade nas duas casas do Congresso Nacional. Agora, esse avanço, sofre grave risco de desconstrução devido à proposta do atual governo federal para modificá-la por meio de Medida Provisória (MP).

Desde setembro de 2016 o Governo Federal discute e elabora internamente alterações significativas na legislação do saneamento básico para atender pleitos do setor privado, por meio da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (ABCON), cujas empresas não estão satisfeitas com os dispositivos legais existentes, a exemplo das leis de concessão e de parceria público-privada (PPP). Desejam ampliar a presença na prestação de serviços públicos de saneamento básico de qualquer forma, mesmo violando princípios constitucionais com a mutilação das leis que regem o saneamento básico, principalmente no que se refere à gestão associada de serviços públicos definidos na Carta Magna brasileira.

O objetivo estratégico do governo Temer é implementar o Programa Nacional de Desestatização das Empresas Estaduais de Água e Esgoto. Para tanto, pretende alterar a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, que cria a Agência Nacional de Águas – ANA, e a Lei nº 11.445/2007, e dessa forma agilizar a privatização das empresas estaduais de água e esgoto e dos serviços públicos municipais de água e esgoto, e, especialmente, remover as dificuldades jurídico-institucionais da alienação da Companhia de Águas e Esgoto do Estado do Rio de Janeiro (CEDAE).

As alterações propostas desfiguram e mutilam completamente a Lei nº 11.445/2007, principalmente os dispositivos baseados na gestão associada de serviços públicos, prevista no Art. 241 da CF e na própria Lei de Consórcios (Lei nº 11.107/2005), criando um verdadeiro casuísmo, tendo em vista que esses conceitos e princípios passarão a não valer apenas e tão somente para os serviços públicos de saneamento básico. Além disso, vários artigos da proposta de MP são inconstitucionais, especialmente por ferirem a autonomia dos Municípios e do Distrito Federal quanto à organização dos serviços públicos de sua titularidade.

Essas modificações, propostas de forma açodada e antidemocrática, não são direcionadas para a melhoria dos serviços prestados ou para a universalização dos mesmos, e particularmente para o atendimento da população carente residente nas periferias das grandes cidades e na zona rural que ainda não tem acesso aos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário. O objetivo é ampliar o espaço dos negócios das empresas privadas. Na essência, as mudanças flexibilizam a legislação no sentido de atender as expectativas do setor privado que deseja administrar os serviços e operar os sistemas de água e esgoto dos maiores e mais rentáveis municípios do País, deixando para Estados e Municípios aqueles sistemas de menor porte ou deficitários.

Percebe-se que o objetivo do governo Temer é consolidar o “mercado” da prestação dos serviços públicos de saneamento básico no Brasil, solapando as bases de uma política pública de saneamento básico construída democraticamente depois de anos de discussão com a sociedade, por meio da revisão açodada do marco legal utilizando um instrumento de exceção que é a medida provisória, afastando o debate e a participação popular.

Não se pode aceitar que este governo federal, visando implementar a privatização da área de saneamento básico no País, imponha alterações profundas e complexas, que de forma casuística mutilam e desfiguram completamente a Lei Nacional de Saneamento Básico, por meio de Medida Provisória, atropelando a Constituição Federal, especialmente restringindo a possibilidade de prestação deste serviço público por meio da cooperação entre entes federados, apenas aos casos onde não houver interesse da iniciativa privada. Qualquer modificação da legislação somente deve ser promovida por meio de Projeto de Lei, previamente antecedido por debates públicos com ampla participação da sociedade e de todos os interessados no tema.

As mudanças no marco regulatório devem ser orientadas para assegurar os direitos humanos à água e ao saneamento nos termos declarados pela Organização das Nações Unidas-ONU com o apoio do Brasil e, assim, garantir o acesso a todos os cidadãos e cidadãs à água e a serviços públicos de saneamento básico de qualidade de forma universal e integral.

Avançar é fazer constar na Constituição Federal: Água e Saneamento Básico como Direito Social, Humano e Essencial – direito do Cidadão e dever do Estado (PEC 39/2007+PEC 213/2012 e PEC 93/2015+PEC 02/2016), e garantir os recursos necessários para o desenvolvimento da área de saneamento básico, conforme previsto no Plano Nacional de Saneamento Básico-Plansab, rumo a um Serviço de Saneamento Básico Público de qualidade, transparente nas ações e submetido ao controle social.

ÁGUA É DIREITO, NÃO MERCADORIA!

Brasília, 22 de março de 2018.